CAMINHOS DE PAPEL

sexta-feira, novembro 25, 2005

O CORREDOR

Era uma casa enorme. Minha mãe chamava-a de arranha-céu, embora não passasse de um grande sobrado com porão acima do nível do jardim, dois andares e, principalmente, com torreões que formavam o sótão, fazendo o prédio destacar-se entre os demais naquela tranqüila rua do Belenzinho, em São Paulo.
Para mim, ainda criança, era de uma imponência que chegava a assustar. Janelas sempre fechadas, jardins tomados pelo mato e com uma primavera encimando o arco sobre o portão, aquele era um lugar mágico onde minhas fantasias entravam, percorriam cômodos cinzentos e soturnos, cruzando com assombrações.
Um dia, inesperadamente invadi esse mundo. Na visita a uma tia que morava a um quarteirão dali, ouvi-a convidar minha mãe para visitar a moradora desse castelo, pois amigas que eram devia essa obrigação à dona, então adoentada.
Foi numa mistura de apreensão e curiosidade que as acompanhei, levado pelas mãos seguras de minha mãe. Na resposta à campainha, apareceu na porta da varanda a moradora, visivelmente abatida mas nem por isso descurada no vestir, como se sempre esperasse por alguém.
Não me lembro de seu nome, mas era simpática. Levou-nos para a grande sala onde por mais de uma hora ficaram elas conversando. Sentado ao lado de minha mãe não ousei levantar-me e ensaiar alguns passos por alí, principalmente por causa do corredor que saia da sala e levava para algum lugar nos fundos do casarão. Uma pesada cortina vermelha entreaberta deixava perceber a escuridão que o envolvia.
Nem o chá com bolinhos fez com que eu despregasse os olhos daquele espaço assombrado onde, achava, almas penadas se escondiam. De quando em quando, parecia perceber algum ruído. Não o creditava à minha imaginação ou simplesmente à madeira estalando. Eram almas. Eram almas que pareciam espiar os intrusos.
O tempo escorria lentamente. Segurei a mão de minha mãe com mais força e aguardei por fantasmas e aparições que nunca vieram.


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