CAMINHOS DE PAPEL

sexta-feira, outubro 19, 2007

ABERTO PARA BALANÇO

(Texto premiado em concurso da Academia de Letras de São João da Boa Vista)





ABERTO PARA BALANÇO




Quando bati na casa dos sessenta e cinco anos neste mundo, vasto mundo — e não sou rima, nem solução — senti a barra que foi essa jornada. Assisti a acontecimentos que mudaram a história e, a bem da verdade, mudariam mesmo que eu não assistisse. Participei de outros onde, por mínima que fosse minha presença, penso que ajudei a modificar alguma coisa.
Também acumulei experiência profissional nos vários trabalhos que tive. Se, de um lado, serviu para construir meu patrimônio (que jamais mereceria uma CPI), mostrou também outros caminhos para os quais meus pais um dia apontaram o dedo e disseram “vai!”.
Tive de ralar muito. Descontada a fase feliz da infância, onde livros e lições se misturavam com jogo de bola e vidraças quebradas, passei a cavoucar a vida; mal entrado na adolescência tive de ir estudar à noite e trabalhar de dia pois, ainda que não tivessem inventado a inflação (ou melhor, ela existia, mas com a desimportância que nós, legítima classe média, lhe dávamos), uns cruzeiros a mais ajudavam no orçamento da casa. Só parei de estudar já com filhos me aguardando em casa, geralmente dormindo, pois retornava altas horas e de língua de fora.
Se na rua, mais especificamente nos empregos que tive, curti amizades que ainda conservo, foi dentro de casa que encontrei o apoio fundamental nessa longa caminhada que empreendo até hoje. Minha companheira, que desde cedo deu tudo de si no magistério, foi o braço que me amparou nas horas difíceis, riu e chorou comigo, me empurrou quando eu parava e me segurou quando eu ameaçava cair. Foi mãe, esposa e mulher, tudo na exata e sensata medida, e às vezes deliciosamente insensata.
Em meu aniversário reuni esposa, filhos, netos, amigos, e soprei velinhas (fazer isso com os netos no colo não tem preço).
O que eu quero agora? Curtir o tempo que tenho pela frente, não importa quanto, mas como. Ver o sorriso dos netos, ter o calor dos amigos, o amor da companheira e uma vida inteira para continuar o menino deslumbrado que sempre fui.

1 Comentários:

  • Às 3:10 PM , Blogger Ana Aitak disse...

    Mereceu o prêmio. Espero que antes dos meus sessenta e cinco eu consiga passar um pouco dessa sensibilidade e leveza que tanto admiro, ao escrever.

     

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