CAMINHOS DE PAPEL

segunda-feira, outubro 08, 2007

A ÁGUA E O TERCEIRO MILÊNIO

A ÁGUA E O TERCEIRO MILÊNIO
Esta crônica foi uma das dez escolhidas como as melhores enviadas para o concurso de crônicas da FACCAT, da cidade de Taquara, na serra Gaúcha, cujo tema era justamente a questão da água no mundo nos próximos anos. A propósito, o pseudônimo usado nesse trabalho foi Moisés. Sem ironia.






O tema abre muitas vertentes para discussão, mas para infelicidade global elas convergem para um único ponto: num futuro não tão distante como poderíamos pensar, a água acirrará debates, decisões e, podem esperar, guerras.
O brasileiro, em sua eterna gaiatice e capaz de fazer piadas até em velórios, não vai deixar passar a oportunidade de analisar a questão por ângulos, digamos, não muito ortodoxos.
Não resisto, como bom brasileiro, a desafiar a premonição dos fatos que se avizinham (sempre esperando, é claro, que as autoridades de plantão resolvam o problema) e exercitar a imaginação tentando vislumbrar situações que seriam bem típicas do nosso alegre e cordial povo:
— Uma Perrier pelo amor de Deus, suplica o pedinte numa esquina da avenida Paulista.
Seria interessante a reação do esmoler diante da oferta insignificante: — Minalba, doutor? Deixa de ser mendigo!
Sentiram o drama? Claro que não, porque não há drama, ainda. Brasileiro, que é bom de bola, de samba no pé e de piada pronta, não está nem aí. Nem na hora de fazer sua conquista amorosa:
— Benzinho, vou te mostrar minha Jacuzzi. Você vai amar. Nada daquela história de encher com leite de camela. Nós dois vamos rolar é em água mesmo.
— Jura, mô? Acho que você está mesmo apaixonado por mim.
De fato, dentro de poucas décadas talvez isso seja o equivalente a um pedido de casamento, naturalmente regado a taças de água trazida diretamente do alto de alguma geleira alpina que não tenha derretido totalmente.
E o brasileiro, bom de bola e de conversa, vai levando a vida. Nem uma hecatombe nuclear comprometeria sua happy-hour:
— O que vai ser, senhor?
— Vê aí uma água de primeira linha. Capricha no chorinho, hem?
A falta do precioso líquido vai ser sentida em todas as camadas da sociedade. Naquela que é hoje a periclitante classe média, a conversa iria por este caminho:
— Você viu a loira do sobradinho? Lava a calçada duas vezes por semana. Dizem que o marido é Fiscal.
— É. Eles podem.
Entre os emergentes (sim, eles existirão até o fim dos tempos), o papo não será diferente:
— Hoje vou à casa da Verinha. Ela vai dar uma festa na piscina.
— Ao redor?
— Dentro, minha filha. Dentro!
É isso. O problema está aí. Entra ano, sai ano, e lá vem um novo racionamento de água decretado por aqueles que nunca tiveram competência para solucionar o problema antes para não ter que discuti-lo depois. Quanto a nós, honestamente falando, quem é que vai seguir dicas tais como se ensaboar com o chuveiro fechado ou deixar de lavar o vira-lata que está cheirando mal, ou ainda, não regar algum canteiro de azaléias, trajando chinelas e bermudas estampadas?
Vamos encarar os fatos: a água, ou mais exatamente a falta dela, vai ser, sim, um problemão. Hoje, neste começo de milênio, é o petróleo o motivo quase abertamente declarado para que nações mais fortes instalem ou consertem a democracia, ainda que na base da porrada, naquelas mais fracas. Não vamos estranhar se qualquer dia desses os marines desembarcarem na Amazônia sob o pretexto de salvar nossa democracia e, por extensão, a humanidade (o que pode ser uma verdade) alegando não sabermos cuidar daquelas preciosas reservas hídricas (o que é outra verdade).
Se entre o céu e a terra há coisas que nossa vã filosofia não percebe, espero que haja também água e juízo suficientes para nos tirar desse sufoco.

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