CAMINHOS DE PAPEL

quinta-feira, novembro 01, 2007

COMO FICAR DEPRIMIDO EM VINTE E CINCO MINUTOS



Minha paixão pelos trens e ferrovias é incondicional. Talvez tenha sido pelo fato de, quando criança, morar perto das linhas da antiga Central do Brasil. Não raro, ia brincar nos trilhos e admirar as velhas e garbosas Marias-Fumaça puxando antiquados vagões de passageiros ou carga.
Cresci e essa paixão continuou. Quando fui trabalhar numa indústria de Santo André, cidade vizinha a São Paulo, lá pelos idos anos sessenta, passei a viajar todos dias nos antigos trens da não menos saudosa E.F. Santos a Jundiaí. Causava-me um prazer imenso rodar desde a estação do Brás até aquela cidade, pois ia admirando os pátios ferroviários da Mooca, Ipiranga e São Caetano, com seus cargueiros manobrando rebocados pelas então moderníssimas locomotivas diesel da General Eletric.
Nesses lugares, os armazéns fervilhavam. Centenas de pessoas descarregavam a sacaria dos vagões que subiam a Serra do Mar, vindos do porto de Santos, e que ali deixavam sua carga ou seguiam para o interior.
Era um frenesi. Dava para perceber os enormes galpões cheios, homens carregando a carga nos ombros. Respirava-se vida; dura, mas ininterrupta, cortada esporadicamente pelas cheias do rio Tamanduateí e do Ribeirão dos Meninos que, de tempos em tempos vinham cobrar tributo pelo espaço que lhes tomavam. Até os trens a eles se submetiam.
O tempo passou. Sucessivas hordas de políticos e de administradores incompetentes, aliados a políticas econômicas predadoras, foram aos poucos contribuindo para mudar esse quadro. Governantes geniais resolveram que era chegada a hora de priorizar o transporte rodoviário e o resultado não poderia ser outro: ferrovias foram reduzidas ao quase-nada.
Passados quase quarenta anos, surgiu uma oportunidade de eu reviver aquele trajeto de outrora. Tendo de ir a Santo André para resolver um negócio, decidi que não iria de automóvel, mas faria novamente meu antigo roteiro ferroviário, num trajeto que duraria vinte e cinco minutos.
Assim fiz e comecei uma jornada de tristeza e revolta. Os antigos pátios ainda existem. Também estão lá velhos vagões de carga – e mesmo carros de passageiros – como monumentos à incúria dos administradores públicos e da ganância dos donos da ferrovia privatizada. Decrépitos, enferrujados e sendo tomando pelo mato, já não exibem mais sinais de vida. Há até árvores crescidas entre os trilhos. Os enormes armazéns estão em ruínas; do trem, a idéia que passa é a de cidades destruídas pelas bombas da Segunda Guerra Mundial. Nos espaços que sobraram, favelas crescem como cancros.
Os rios, se antes já não eram limpos, agora são de uma aparência medonha; seus leitos parecem uma casca grossa de óleo. Nem por isso deixam de cobrar seus tributos; os jornais da TV mostram, nas épocas certas, as águas invadindo casas desses infelizes que foram jogados ali por aqueles que bradam estar o país ombreado com a economia do mundo globalizado.
Senti-me deprimido. Lembrei das antigas estações do Brás, Mooca, São Caetano, Santo André, todas elas construídas pelos ingleses da São Paulo Railway, em moldes britânicos, com tijolos aparentes, altas portas de madeira entalhada, guichês com grades de latão dourado e o relógio de pêndulo, com mostrador em número romanos, na sala do chefe da estação. Agora, os muros dessas estações com paredes de pastilhas, têm em seu topo, arame farpado. Não se compra mais o ticket que o fiscal picotava no interior do trem. São tempos do cartão magnético que dá direito a um certo número de viagens e faz parte do que se convencionou chamar de benefício social.
Mas, e a dignidade? O que restou dela?

4 Comentários:

  • Às 6:15 PM , Blogger . fina flor . disse...

    Ai, Carlos, eu choraria.


    amo trens, me lembra meu avô, que levava para passear de Campinas até SP........

    imagine como as coisas não estarão no futuro?

    é de doer na alma, mesmo.

    beijos e bom fds,

    MM.

     
  • Às 3:00 PM , Blogger Mona lisa Budel disse...

    Acho que sofro da mesma depreção cada vez que vejo um dos antigos casarões da minha cidade demolidos para dar lugar a um novo e moderno prédio de vidro ...

    belo Texto Carlos !

    www.monalisabudel.blogspot.com

     
  • Às 10:35 AM , Blogger . fina flor . disse...

    querido, passo para deixar um beijo de boa semana.

    cuide-se!

    MM.

     
  • Às 12:47 AM , Anonymous Anônimo disse...

    Great work.

     

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