CAMINHOS DE PAPEL

sexta-feira, setembro 28, 2007

QUANDO O SILÊNCIO FALA

Entregar-se ao silêncio e à beleza,
À beleza do silêncio...
À beleza do som rompendo o silêncio
E invadindo em perfeitos acordes
O espaço silente..
.”




Dizia o sábio e velho guerreiro, Abelardo Barbosa, o Chacrinha: comunicar ou se trumbicar.
Suprema verdade, diria eu. Quem se omite, se cala, não se comunica, enfim, está fadado ao esquecimento. Vai daí que existe, então, uma ordem estabelecida de que todos devem se fazer notar pelo som. Quanto mais barulho, melhor, como as propagandas na TV, de uma rede de lojas populares, especializada em móveis e acessórios caseiros de qualidade discutível, e que teima em anunciar seus produtos três, cinco, dez vezes numa noite e em vários canais, em textos recheados de barulhos irritantes, levando-me a pegar o controle remoto e cortar o som, até seu término. Há outros comerciais de mesmo nível e que recebem igual tratamento. Neura minha; mas, quem agüenta?
Há cantores e cantoras histriônicos que tentam impor sua arte aos berros, comediantes que gritam seu texto como se do volume de seu som dependesse alcançarem o humor, narradores que gritam o gol achado ou perdido como se fosse a última tábua da salvação dos infelizes espectadores.
Contudo, há momentos em que se pode observar a redenção da humanidade ao descobrir o significado do silêncio, ainda que correndo o risco de se receber a pecha de elitista. Que seja, mas em determinados contextos o silêncio se impõe, respeitoso e respeitado, e não há quem a ele não se renda.
Há pouco tempo fui a uma audição da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, e fui presenteado com essa dádiva. Escusado falar da qualidade dessa corporação e da obra apresentada, o Concerto nº 2 para Piano e Orquestra, de Rachmaninov.
Necessário, sim, é ressaltar o silêncio quase mágico, quase sólido, que tomou conta do ambiente entre o primeiro e o segundo Movimentos, e entre este e o Terceiro. Isso aconteceu em tempos mínimos, suficientes para a orquestra acertar as partituras entre cada um deles.
Na Sala São Paulo, fez-se o silêncio total, em toda a acepção deste termo. Público e músicos, irmanados, se incorporaram a essa magia silenciosa, o que levou minha esposa, que me acompanhava e dona de uma sensibilidade que espero merecer, a escrever em determinado momento e dentro de milimétrica discrição, as palavras que abrem este texto.




quarta-feira, setembro 12, 2007

VERSALHES É AQUI

Vocês não acreditam, né?
Eu acredito. Acredito que a nobreza está, lentamente, a caminho do cadafalso. Por nobreza, entenda-se, eu me refiro àqueles que usam o Poder para se sentirem superior - e, conseqüentemente, isolados - ao povo. Não os estou classificando como elite, pois desde que me entendo por gente, aprendi que essa é a classificação que se dá àqueles que são os melhores daquilo que representam na sociedade.
A nobreza a que me refiro também vive em palácios, ou ao seu redor. Fazem política e dela se beneficiam. Fazem demagogia e acreditam ser ela o lenitivo que o povo procura. Não medem tempo e espaço para praticarem essa política que os levará à ruína.
Escrevi isso pensando nas notícias de dias atrás, exibidas nos notíciários de TV, quando um trem, levando dois ministros de estado, jornalistas e apaniguados, atravessou a periferia do Rio de Janeiro e foi alvo de balas disparados de uma favela.
Até aí, não vi muitas novidades; todos os dias ocorrem atos semelhantes, seja contra trens, ônibus, automóveis ou em pedestres.
O que me espanta, e até me envergonha, pois os telejornais do mundo todo também mostraram, foram as condições em que ocorreram os fatos: o trem, não era nenhum daqueles onde oito pessoas morreram há menos de um mês. Eram dois vagões adaptados dos antigos do trem Santa Cruz, que faziam a ligação entre Rio e São Paulo, de saudosa memória.
As favelas, não eram aquelas que se espraiam pelos fundões da cidade maravilhosa; eram dois corredores formados por centenas de barracos, e no meio deles um par de trilhos por onde corria o trem.
Ora, supondo que a violência não tivesse partido dos traficantes, mesmo assim não deixou de ser um insulto aos miseráveis aquele desfile de figurões que, a pretexto de estarem visitando obras públicas, se exibiram em vagões com vidros fumê, ar condicionado, poltronas estofadas e segurança armada.
Parece que ninguém entendeu que esse tipo de viagem ainda terá um fim junto à guilhotina. Pode parecer exagero, mas paciência tem limites e discursos demagógicos, também, ainda que o rei sonhe em proclamar um dia que "O Estado é eu".

quarta-feira, setembro 05, 2007

TOSCANINI ENCONTRA JACK BAUER

Vocês já devem ter visto um comercial de TV que vem sendo exibido durante a programação noturna. Nele, o ator Kieffer Sutherland, que interpreta o personagem Jack Bauer numa série televisiva, recentemente visitando o Brasil aproveitou para ganhar uns trocados e gravou um comercial para uma determinada marca de automóvel, onde ele, mais uma bela acompanhante, passeiam num luxuoso veículo da montadora, por uma São Paulo totalmente deserta. No carro, com vidros fechados, é isso que eles imaginam – uma cidade estranhamente vazia. Num determinado momento, ele sai do veículo e cai no mundo real — à sua volta está ocorrendo uma situação de confusão geral, com situações incríveis, quase surreais, de dar medo. Ele entra novamente no carro, fecha a porta e tudo volta a situação anterior: cidade deserta, sem nada nem ninguém por perto para perturbá-los.
Hoje, isso aconteceu comigo. Não riam, é sério. Estava eu no meu carrinho, vidros fechados – obviamente, pois sempre há o risco um assalto – quando o rádio, sintonizado na Cultura FM, começou a tocar Rhapsody in blue, de Gershwin.
Então, o deleite. Quem a executava era a Orquestra Sinfônica da NBC, regida por Arturo Toscanini, em 1947 (ou 49, agora me escapa a data exata), com solo de clarineta de – vejam só - Benny Goodman. De repente, em meu modesto Fiesta, senti a cidade em volta deixar de existir. Era música dos deuses premiando pobres mortais que lutam pela sobrevivência no caos urbano. Por um momento senti-me como Jack Bauer.
“It’s fine”, como diz nosso herói naquele comercial. E foi mesmo.

segunda-feira, setembro 03, 2007

ÉTICA

FOLHA DE SÃO PAULO, COLUNA PAINEL DO LEITOR , HOJE, 3/9.



"Sr. presidente, peço-lhe que, a partir de hoje, considere extintos os fiapos de apoio que lhe prestava desde a outorga dada ainda no primeiro mandato -e apenas nesse- para me representar no governo do país. Não o considero capaz de dirigir os destinos da nação após ouvi-lo dizer ser o seu partido político o campeão da ética e da moralidade." CARLOS BRUNI FERNANDES (São Paulo, SP)