CAMINHOS DE PAPEL

quarta-feira, setembro 27, 2006

MATÉRIA-PRIMA

Grande número de pessoas costuma criticar seus governantes pelo que fazem ou deixam de fazer. Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário estão aquém das expectativas que neles depositamos (nos últimos tempos, isso parece ter ganho uma dimensão funesta).
Entretanto, por conveniência ou por simplesmente ignorarmos certas regras de civilidade, carregamos nossa parcela de culpa — e que não é pouca. Analisemos, então: Nos poderes Legislativo e Executivo, fomos nós, diretamente, que colocamos a nada desprezível quantidade de políticos ambiciosos, corruptos e/ou incompetentes. No Judiciário, indiretamente também o fizemos. Nós somos a matéria-prima com a qual eles trabalharam (e trabalham mal). Simples verificar:
— quem já não viu, no transporte público, pessoas ocupando assentos reservados à idosos, deficientes físicos ou grávidas? Muitas, muitas mesmo, tendo esse tipo de usuário de pé, na sua frente, ou finge que dorme, ou se distrai com uma leitura ou simplesmente ignora aquele usuário preferencial.
— Você já não viu muitas pessoas reclamando que o preço da conta de energia elétrica está alto? Quantos, porém, não hesitam em puxar um “gato” da rede pública, para ter essa energia de graça?
— TV a cabo: ora, TV a cabo? Há pessoas que, na maior cara de pau, roubam (via “gato”), transmissão direcionada da casa do vizinho.
— Estacionamento ou parada proibida? Claro que muitos reclamam do trânsito que é lento, mas não tem dúvida em parar nesses locais “nem que seja por um minutinho”, só para resolver um probleminha “rápido” (o pisca-alerta resolve a situação, né? Mesmo estando em fila dupla). Item válido também para sinais vermelhos.
— E falando nisso, você nunca “molhou” a mão de um policial de trânsito, de um fiscal, ou qualquer outro que lhe facilitasse a vida em alguma coisa?
— Furar fila de banco, cinema, ou qualquer outra? Quem nunca fez isso que atire o primeiro ingresso.
— Bueiros entupidos: o que se joga de lixo nas ruas da cidade envergonharia qualquer um. Reclamar que a Prefeitura não limpa é fácil. Colaborar, nem tanto.
— Votou no fulano porque, de alguma forma, ele o beneficiou particularmente? Você faz parte de uma coletividade, não se esqueça disso.
— Você gosta de futebol? Eu também gostava. Quando existia. Hoje, esse esporte está nas mãos de incompetentes, toupeiras, corruptos. Por associação, também nas mãos das “torcidas” organizadas. O resultado é fácil de se constatar: mediocridade generalizada naquele que ainda teima em ser o esporte das multidões. Não reclame se você ainda insiste em comprar ingresso de cambista, tomar chuva ou garrafada. Fique em casa e leia um bom livro. Vale mais a pena.
— E falando em futebol, acho que todos já conhecem a recente história daquele jogo de futebol, no interior de São Paulo, onde um “gol” do gandula foi validado. Pior: os jogadores do time beneficiado, que a princípio tinham aceito a bola fora, “comemoraram” o gol fantasma. Esses são os protótipos do brasileiro malandro. E ainda querem criticar o Gerson?
Essa lista de maldades poderia se estender indefinidamente. Somos uma péssima matéria-prima, reconheçamos. Mas não esqueçamos, também, que sempre há tempo para mudanças. Que tal começarmos agora?

sexta-feira, setembro 22, 2006

CHEGA DE SERIEDADE

A maior loja de depatramento do mundo, onde tudo poderia ser comprado, recém inaugurara uma unidade no país.Um garotão inteligente, vindo da roça, se candidatou a um emprego. O gerente perguntou ao rapaz:
- Você já trabalhou alguma vez na vida?
- Sim, eu fazia negócios na roça.O gerente gostou do jeitão simplório do moço e disse:
- Pode começar amanhã, e no final da tarde venho verificar como você se saiu.
O dia foi longo e árduo para o rapaz.Às 17:30 h o gerente se acercou do novo empregado para verificar sua produtividade e perguntou:
- Quantas vendas você fez hoje?
- Uma!
- Só uma? A maioria dos meus vendedores faz de 30 a 40 vendas por dia. De quanto foi a venda que você fez?
- Dois milhões e meio de reais!- O quê!!!??? Impossível!!! Como vc conseguiu isso?
- Bem, o cliente entrou na loja e eu lhe vendi um anzol pequeno, depois um anzol médio e finalmente um anzol bem grande. Daí eu lhe vendi uma linha fina de pescar, uma de resistência média e uma bem grossa, para pescaria pesada.Eu lhe perguntei onde ele ia pescar e ele me disse que ia fazer pesca oceânica.Então sugeri que talvez fosse precisar de um barco, então eu acompanhei até a seção de náutica e lhe vendi uma lancha importada, de primeira linha.Aí eu disse a ele que talvez um carro pequeno não fosse capaz de puxar a lancha, levei-o a seção de carros e lhe vendi uma caminhonete com tração nas quatro rodas.
O gerente levou um susto e perguntou:
- Você vendeu tudo isso a um cliente que veio aqui pra comprar um pequeno anzol?
- Não senhor, ele entrou aqui, de fato, para comprar um pacote de absorvente para a esposa, e eu disse a ele:"Já que o final de semana do senhor está perdido, porque o senhor não vai pescar?"

quinta-feira, setembro 14, 2006

O VERMELHO E O NEGRO



Na cama, ao lado de Marcinha, ele sente não ter mais aquele tesão que um dia sentiu por ela. Sob os lençóis, no quarto escuro, Eduardo olha para o mostrador do rádio-relógio, cujos dígitos vermelhos e brilhantes lembram-lhe momentos encarnados de longa duração. Inquieta e sabedora das coisas, Marcinha leva a mão até os pêlos plantados naquele peito de mármore. Ele apenas suspira, mesmo quando ela insiste em beijá-lo na boca. Eduardo talvez esperasse um sutil sabor de cereja, quase perdido no fundo da memória, mas tudo o que sente é o gosto do dentifrício barato.
Como que por instinto, ele puxa o lençol quase até o queixo. O sufocante negror do ambiente é quebrado pelos números vermelhos que mostram um tempo terrivelmente lento.

quarta-feira, setembro 06, 2006

VIVA O PEPINO




A programação da TV brasileira é uma porcaria, todos sabemos. Não passa dia em que não sejam exibidas besteiras monumentais, tudo justificado pela luta por alguns pontinhos no Ibope. Não se respeita idade, sexo, filosofias, enfim, qualquer tipo de pensamento que deveria, em tese, elevar a condição humana.
Desenhos animados, por exemplo, são uma lástima. Houve um tempo em que as emissoras apostavam em apresentadoras, geralmente loiras, de sainhas curtíssimas, para apresentar Frajola, Piu-Piu, e outros personagens. As crianças talvez nem ligassem (será?) para aquelas adolescentes, ou nem tanto assim, exibindo um belo par de coxas.
Hoje, exceção feita à TV Cultura, o que se assiste em matéria de desenhos animados deixa horrorizado qualquer educador.
Dia desses, zapeando pela TV, passei pelo programa da Xuxa, na Globo, especialista naqueles horrendos (estética e moralmente falando) desenhos japoneses, bem no momento em que um dos personagens, vilão, tinha esta fala: “é bom matar pessoas”.
Aí, a dúvida: perguntei a mim mesmo se a “nossa rainha” (como a chamadas da Globo a anunciam), deixa sua inocente filhinha Sasha assistir tal porcaria.
Por aí, vai: a Rede TV traz uma picareta, Luciana Gimenez, que deu certo (aquela que aplicou o golpe do baú no vovô Mick Jagger), num programa de entrevistas onde os temas são tão escabrosos quanto possível.
E por aí navega nossa TV, com programas humorísticos onde a tônica é o deboche, o preconceito, a grosseria, tudo recheado com mulheres que se auto-desvalorizam como gado no abatedouro.
A Rede TV, que mencionei aí acima, é medíocre, embora apresente algumas coisas onde se esforça (vá lá) para sair desse posso de indigências. O programa Show Business, apresentado aos domingos à noite, é (era) um deles. No último fim de semana, após uma entrevista com o presidente da Caixa Econômica, João Dória, Jr. entrevistou uma moçoila, que viemos logo a saber se tratar uma garota de programa.
Pasmem! Nos vinte minutos que se seguiram, o que se viu foi um show de vulgaridade travestido de programa sério. A senhorita (nem tanto), tambééém escreveu um livro (não era a tal de Bruna Surfistinha, novo prodígio das letras brasileiras), onde descreve suas estrepolias. Contava ela, que se auto-agenciava e dava um duro danado para atender a fregueses distintos em horários quase conflitantes. Era uma artista, a menina. Saía de um motel e ia para outro rapidamente, trocando de roupa no caminho e mudando a peruca. Nesse leva e trás (sem duplo sentido, por favor) contava a guapa mocinha, chegava a ter até treze clientes em cada jornada de trabalho.
O show de bizarrice continuou, ela sempre cutucada por João Dória, Jr, a quem, até aqui, eu considerava um dos poucos na TV a merecerem confiabilidade. Ao perguntar à menina (não lembro o nome e nem importa), se alguns de seus clientes eram chegados a alguma tara, ela responde que, certa vez, foi recepcionada por um homem, quando chegou ao local do atendimento, com um pepino enfiado num certo lugar da anatomia humana que não deixava dúvidas sobre a condição humana.
Por que escrevo tudo isso? É fácil depreender. Sem laivos de um moralismo rançoso e vendo, por exemplo, o show de horrores em que se transformou o horário gratuito para nossos políticos, penso que a televisão, antes de ser testemunha da evolução do homem, está sendo o registro de sua decadência. Como qualquer acontecimento da história, os resultados surgirão. Para o bem ou para o mal.

domingo, setembro 03, 2006

ACERTO DE CONTAS

Então ficamos assim:
o dito pelo não dito,
e o feito, agora desfeito.

A dor, essa não conta,
apronta a qualquer momento,
num tormento meio sem jeito,
cria um destino que afronta,
numa ponta de despeito
feito de um caso ao vento.

Então acertamos assim:
amor por indiferença,
sem licença ou perdão, enfim,
e a ternura imaginada sem fim,
para mim esgotada na essência,
para você, resgate da solidão
de uma paixão que era apenas um mito
e um grito solto na escuridão.

Então fechamos assim:
quero meu Neruda de volta,
fique com a Elis atrás da porta.
A mim, só coisas em desuso,
abuso da posse perdida
e um acerto chegando ao fim,
num pedaço esquecido da vida.

Este poeminha foi selecionado para fazer parte do livro editado pela Universidade Federal de São João del-Rei, no concurso promovido por ela.

agosto de 2006