CAMINHOS DE PAPEL

quarta-feira, junho 29, 2005

Eu no Blog

A partir de agora e sempre às segundas-feiras, estarei escrevendo no blog Os cronistas (www.cronistas.blogspot.com). Espero por vocês lá.
Em tempo e com a maior vergonha: quando aprender a acrescentar links, atualizarei o Caminhos...

segunda-feira, junho 27, 2005

COM OS OLHOS DOS OUTROS

Pois é. A vida nos obriga a fazer coisas que anos antes, ou muitos anos, se preferirem, a gente nem imaginava que viria a fazer. Dias atrás, tive de me submeter a um implante de lente ocular, na substituição de um cristalino gasto com o tempo, eis que minha visão de águia já não estava voando tão alto assim. Tal fato, é claro, daria uma crônica mas, para surpresa minha, um dia depois da intervenção deparo na revista VejaSP (a nossa Vejinha), a crônica abaixo escrita pelo excelente Ivan Ângelo.
Sem pedir licença nem mais nada, resolvi fazer de suas palavras, as minhas. E de seu olhar, o meu.
BONS OLHOS

Ivan Angelo

De um dia para o outro percebo a cidade mais clara. O ar mais limpo, os prédios mais brancos, a luz mais intensa, as cores mais vivas, o verde das árvores mais luminoso. Como se a paisagem tivesse sido lavada. Mudou como um automóvel que vemos entrar e sair do lava-a-jato. Da minha janela, voltada para o oeste, distingo morros ao longe, em seqüência, bem para lá do Pico do Jaraguá, para os lados de Jundiaí.
Explico: fiz uma cirurgia de catarata, substituí o cristalino avariado dos olhos por lentes implantadas e constato que uma parte da poluição da cidade, daquela névoa de tom sépia que dava à paisagem da minha janela uma aparência de foto antiga, era dos meus próprios olhos. A fuligem era minha.
A língua portuguesa tem uma expressão que agora ficou mais rica para mim: "ver com bons olhos". Significa concordar, apoiar, receber bem uma coisa, um fato. Vejo com bons olhos a saída do ministro Fulano. Vejo com bons olhos o namoro de vocês. Bons olhos são pró, a favor. A expressão não indica apenas a simpatia do olhar, ou olhar com aprovação, boa vontade. Indica também que aquilo que se vê com bons olhos se revela, mostra o que tem de bom. Há aí embutida uma alusão à qualidade do olhar, ao enxergar melhor. Com bons olhos, o mundo melhora.
"Bons olhos o vejam!" – se diz (ou se dizia, pois a língua vai perdendo poeira pelo caminho, como os cometas) a uma pessoa querida que não se vê há algum tempo. Quando dizemos que alguém "tem um bom olho" significa que é perspicaz, sabe das coisas, enxerga longe, tem talento para negócios, visão. Quem tem "olho clínico" acerta o ponto, enxerga exatamente o que é relevante.
E o outro lado? "Ele não me vê com bons olhos" é o mesmo que "não gosta de mim". O pessimista e o mal-humorado vêem com maus olhos. É verdade que os olhos quando melhoram enxergam pequenos defeitos que antes não eram percebidos. Ah, se são mesmo pequenos os defeitos, que bons olhos os vejam.
Em conversa com o oftalmologista, viajamos eu e ele para um futuro sem óculos. Ai de mim, na última vez que toquei no assunto óculos, há cinco anos, ousei dizer que eram jurássicos e recebi uma saraivada de mensagens ofendidas do mercado óptico. Que havia nessa área uma lentidão tecnológica, eu dizia, o avanço não fora grande coisa nos 750 anos da invenção. Vários problemas. Os de acrílico são facilmente riscados, os de cristal partem-se quando caem, a visão com o rabo do olho é sempre ruim, as hastes e o apoio desajustam-se com o uso, as lentes ficam embaçadas com o suor e também quando se desliga o ar-condicionado do carro, namorar é complicado pois antes de você tirar os óculos a maquiagem da parceira ou a pele do parceiro já embaçaram as lentes, crianças adoram pegá-los, arreganhá-los, babá-los, lambê-los, chuva vira um transtorno maior para quem não pode andar sem eles, a gente vive procurando-os em casa ou no escritório ("Alguém viu onde eu deixei meus óculos?") ou eles se perdem definitivamente.
Eu e o doutor falávamos de um mundo que se avizinha, o das lentes implantadas, ou intra-oculares, LIOs, como eles chamam. E tínhamos a certeza de que assim que se tornassem inúteis os óculos virariam enfeite, um adereço da moda, um luxo.

segunda-feira, junho 20, 2005

LUVAS VERMELHAS


Voltando para casa, dia desses, ouvi no rádio do carro uma música de Nat King Cole. Imediatamente me veio à memória um filme de Taiwan que assisti tempos atrás e chamado Amor à flor da pele. Era a história de um executivo chinês que descobre estar sendo traído pela mulher. Na procura por explicações ele acaba por se aproximar da mulher do outro, tema delicado e se nas mãos de um diretor inábil o levaria a resvalar para o dramalhão ou simplesmente para o erótico-pornô.
A aproximação entre os dois personagens é feita de uma forma que, em vários momentos, não sugere outras intenções senão a de cada um estar a procura de si mesmo. Não há apelos eróticos baratos, nem mesmo quando a personagem traja com toda naturalidade um longo e insinuante vestido chinês com um corte lateral sugerindo um palmo de coxa. Exótico, talvez, para nós ocidentais. No entanto, não há lugar para a vulgaridade nem mesmo quando, em outra cena, a personagem aparece com um inesperado par de longas luvas vermelhas. Como num quebra-cabeça, cada situação encontra o lugar exato para se encaixar.
As surpresas desfilam desde a abertura quando rolam os créditos do filme ao som de Aquelles ojos verdes, surpresas essas que acompanham as canções do velho Nat como pano de fundo em cenas entre os dois personagens, onde sempre há o mínimo de palavras. Gestos e olhares dizem tudo e eu estou longe de querer ironizar dizendo que essas canções caem como uma luva.



quarta-feira, junho 15, 2005

AVENIDA DANÇAS


Eu ainda estava praticamente saindo das calças curtas para arriscar uns passos na ansiada adolescência e, por serem outros os tempos, podia andar pela capital paulista sem maiores sustos e descobrir seus inúmeros segredos.
Ao passar pela avenida Ipiranga, que ainda não abrigava novos baianos, ficava fascinado com os letreiros e cartazes do Avenida Danças, nas imediações dos saudosos Parreirinha e Expresso Luxo. Este com suas enormes limusines que faziam os sessenta quilômetros entre São Paulo e Santos em rapidíssimas duas horas.
Mas era na casa de danças que se concentrava minha atenção. Em meio a cartazes anunciando o jovem e promissor crooner, Agostinho dos Santos, e a animada orquestra de Osmar Milani, eu só me detinha diante dos que apresentavam as chamadas taxi-girls, moças de boa conduta que dançavam profissionalmente naquele lugar.
Nunca pus os pés lá dentro, é verdade. Não tinha idade, não tinha dinheiro e nunca tive coragem de encarar as moçoilas que, segundo diziam, picotavam cartões a cada dança concedida.
Os anos se passaram, Caetano cantou e se desencantou com a Ipiranga, as meninas dos cartões deram lugar a outras que dispensavam a burocracia para ganhar a vida. Nos anos modernos, são os personal dancers que comandam os passos pelos salões.
Hoje as mulheres são maioria, mas quem sabe naqueles também poderiam ser; caso não tivessem que ficar trancadas em casa enquanto os maus pais de boas famílias caiam na boemia e nos braços das profissionais de dança. Agora tudo é diferente: elas deixaram o lar e o cestinho de costura e também querem se divertir.
Nos atuais salões de baile, falando daqueles onde ainda se dança de rosto colado, além de maioria, boa parte delas chega desacompanhada. Seja porque o marido não quis ir, seja porque não têm companheiro, o fato é que elas chegam e esperam.
Esperam porque os machos estão em retração. Aguardam para serem tiradas para dançar, o que significa uma verdadeira loteria no salão. Com olho clínico, os organizadores desses eventos passaram a contratar cavalheiros — também não sei dizer se insuspeitos ou não — para tirar as damas em eterna espera.
Chamá-los de taxi-boys soaria estranho e o nome de personal dancer, ainda que incorreto, é mais moderno. Não há necessidade de se picotar cartões e todos ficam satisfeitos. Não interessa às damas o nome ou a denominação dada aos dançarinos. Também não importa a ponta do torturante band-aid em seus calcanhares. O que vale mesmo são dois pra lá, dois pra cá.







domingo, junho 12, 2005

OBRIGADO A SER FELIZ


Chico Buarque é um gênio. Chega a ser redundante dizer isso diante da poesia transmitida pelas letras de suas músicas levando-nos a viagens diferenciadas. Digo diferenciadas porque ele transita com a mesma desenvoltura por múltiplas emoções, seja na ingenuidade da banda passando — e num paradoxo mostrando o lado insuspeito do conformismo de um povo, seja pela revolta desta vida severina ou ainda pela denúncia dos guris esmolando nos semáforos, entre um roubo e outro.
Os vários retratos que ele pinta do Brasil têm lugar nas salas do povo ou das academias, mas nem em um e nem outro ambiente conseguimos ficar isentos do que ele transmite. Somos atingidos por essas ondas, não poucas vezes trazendo um dedo acusador. Felizmente, há também aquelas ocasiões em que somos tocados no mais profundo de nosso ser e nos deleitamos com amores, mesmo que com dores, pois sua sensibilidade traz ao mesmo tempo, o lenitivo necessário para curá-las.
Contudo, a realidade que está aí na porta de nossas casas mostra o áspero cotidiano onde sempre há alguém morrendo na contramão só para atrapalhar o sábado. E o que dizer dos meninos azuis do brejo da cruz insistindo em viver e tentando crescer neste sanatório geral? Pior, talvez, é sermos alienados diante das vitrines das galerias.
Daí que, é essa uma realidade que não consegue saltar para dentro dos palácios. De seus corredores saem projetos que não se integram às necessidades do povo e de onde vazam denúncias anestesiadas a peso de um ouro que compra o que resta de honra e por onde nascem notícias que determinam o que e como devemos ser. Li em algum lugar, com palavras que não exatamente estas, estar o governo pretendendo lançar um pacote de otimismo para que o brasileiro volte a recuperar sua auto-estima.
Concluo, então, que sábios mesmo eram João e Maria. Ele, porque investiu-se de rei, bedel e também juiz, obrigando tudo mundo a ser feliz.
Ela, mais esperta, porque sumiu no mundo sem nada avisar.





sexta-feira, junho 03, 2005

DIA DE MARMELADA

É curioso como algumas expressões não se perdem com o tempo. Elas vêm e vão, muitas têm origem desconhecida e algumas se perpetuam no imaginário popular.
Todo aquele que pelo menos uma vez na vida foi a um circo, já ouviu o bordão “hoje tem marmelada?”. Bastava a figura do palhaço adentrar o picadeiro e entendia-se porque aquele era o dia de marmelada, dia de palhaçada e, consta, dia de ele roubar mulher.
Eu jamais soube, efetivamente, se algum desses cômicos figurantes sumiu mesmo com a mulher do atirador de facas, do domador ou mesmo de outro palhaço, o que aí já seria uma desunião da classe.
A figura do palhaço sempre povoou a mente de crianças, não importando se foi nos bons tempos do circo de arrebalde ou nos de agora, quando o picadeiro está globalizado, afinal criança é criança em qualquer época e elas sempre riram de seu humor ingênuo, tapas de mentirinha e baldes de água derramada sobre esses nobres comediantes.
Ele sempre esteve a rir. O sorriso nos lábios prolongado com pintura, muitas vezes escondia uma dor, mas dor de palhaço sempre foi coisa exclusiva dele e de ninguém mais. Ao adentrar seu reino, tinha a missão de provocar o riso e este vinha alto e em bom tom das platéias, o que lhe tornava eventuais dores mais fáceis de suportar.
Arrelia foi um desses entes que flutuam entre o real e o imaginário. Seu boné, a grossa bengala e as estripulias com o parceiro Pimentinha marcaram minha infância quando a TV trazia para dentro de nossas casas o cirquinho domingueiro, bem sabor pipoca. Agora esse palhaço está partindo para uma nova apresentação, numa outra dimensão onde com certeza fará anjinhos e querubins rirem como toda criança gosta de rir.
O circo ainda sobrevive. A duras penas, em um ou outro lugar das periferias do Brasil, ainda podem ser vistas as lonas remendadas demarcando uma área onde a alegria impera. O mágico e a trapezista, o engolidor de espadas e a passista ainda persistem. O palhaço coroa-lhes a apresentação e seu humor contagia crianças que, sem hesitar, trocariam uma partida de vídeo game por uma tarde na arquibancada de madeira, comendo pipoca, olhando meio tímidas para a bela equilibrista e tendo a sensação de que o dia promete muita marmelada. Coisa que nós, adultos, infelizmente entendemos com outra conotação.